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Primado do objeto

Postado por samantha , sexta-feira, 15 de janeiro de 2010 05:33

"Schwarz evita a batalha de bibliografias, sem entretanto cair no ecletismo, pois se aferra ao objeto e suas contradições. A atenção aos problemas implica a recusa ao método e, no caso da crítica, respeito pela singularidade do objeto, a obra artística em questão, que não pode ser tratada como mero exemplo de teses já definidas ou como ilustração da aplicabilidade de categorias gerais. O reconhecimento do primado do objeto impõe a diferença específica da obra de Schwarz em relação à de outros que pretendem 'aplicar' Adorno, Benjamin, Brecht ou Lukács, e mesmo Candido, perdendo assim de vista justamente aquilo que nos objetos contradiz e nega, de modo produtivo, as categorias dispostas previamente para a análise. Quando esse 'primado do objeto', na obra de Schwarz, é levado às últimas consequências, acaba colocando em questão, por uma especificidade adicional decorrente de sua inserção na 'periferia do capitalismo', até mesmo alguns pressupostos da teoria crítica. Pois a recepção dessa tradição contraditória foi 'preparada', como diz Schwarz, pelo trabalho de Antonio Candido: isso foi fundamental, contribuindo até mesmo para a crítica do 'frankfurtianismo' como método acadêmico. (...) A crítica imanente, como diz Adorno, exige o conhecimento que vai além do objeto, através do objeto, ou seja, encontra a marca da sociedade como princípio estruturante e expressivo, não como mero tema ou escolha formal. A relação entre arte e sociedade nos ensaios de Schwarz não se pauta pela análise sociológica nem se limita ao comentário erudito, mas busca o desafio de pensar, a cada obra específica, o sentido da mediação. O que interessa não é apenas a idéia (quase banal, embora já uma heresia) de que as obras iluminam e se deixam iluminar pela realidade histórica, mas sim o fato de que o material configurado na obra (lembrando que o conceito de 'material' engloba até mesmo o repertório de formas dadas em determinada época) é ele mesmo histórico, e assim participa desde o início do processo social. (...) Nesse sentido, a opção pela leitura materialistanão tem nada de arbitrário, é sempre fundada no próprio texto, não em convicções externas. Os 'pressupostos' da crítica literária de Schwarz não incluem a necessidade de comentar o mundo, para depois verificar como as contradições do porcesso social se inserem na obra. Muito pelo contrário, é o mundo que frequentemente não está à altura de sua imagem nas obras, e nesse momento a ideiologia é desmascarada, menos como farsa do que como tragédia. A obra literária, que dá forma ao conteúdo histórico, acaba por reconfigurar a experiência social ali presente".


ALMEIDA, Jorge de. "Pressupostos, salvo engano, dos pressupostos, salvo engano". In: CEVASCO, M. & OHATA, M. (Orgs.) Um crítico na periferia do capitalismo: reflexões sobre a obra de Roberto Schwarz. São Paulo: Cia das Letras, 2007.

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